segunda-feira, 1 de novembro de 2010

A Ferro e Fogo

Foto/Reprodução: Instagram

Analice tinha duas referências de amor, a primeira e a segunda. A Primeira dos olhares que se cruzavam na rua aos beijos, aos meses que se passavam descobrindo um ao outro. A Segunda foi da tentativa ao erro, por não haver mais descobrimento de si mesma, mas só descobrimento de um ao outro para o desencantamento.

Depois de alguns anos de namoro, Analice sentia o amor por todos os cantos. Com o tempo, o encantamento passou a ser admiração. E a Primeira se findou quando o amor, aos pedaços, que não tinha mais a intensidade do começo, deu lugar à curiosidade de conhecer casas diferentes, casas que pudessem ter uma lareira que não se apagasse e que não precisasse de trabalho para mantê-la acesa eternamente.

Analice saiu de casa por livre e espontânea vontade e colocou-o pra fora porque ele havia fechado as janelas e ela não conseguia mais enxergar como seria o mundo lá fora. Saíram ambos de casa e ela o negou até então, incomparável por falta de outras referências. Decidiu procurar o seu oposto porque da rotina restaram algumas mágoas e o inconsciente a conduziu ao contrário de seu início na esperança de encontrar, também, o oposto de seu fim.

Ela guardou seus defeitos bem nítidos para evitá-los e muita lenha pra queimar em outra lareira. Mas era tola ilusão. Toda vez que entramos numa casa deixamos nossos olhos do lado de fora nos esperando. Vivemos o tempo todo observados por nós mesmos sem perceber.

Lá estavam seus olhos observando o desenrolar do primeiro ciclo que ia se estabelecendo na medida em que ela ia entrando em conflito e vice-versa. A lareira começou a se apagar e ela não conseguia ver o que estava acontecendo de fato. Ela saiu com um punhado de cinza na mão. Seus olhos que tinham visto tudo de fora, guiavam-na numa linha nítida e reta que a levava ao extremo. Enquanto ela se recuperava, os pés pisavam o caminho projetado pelos seus olhos. Antes que ela terminasse de se recuperar, ela sentou numa porta pra descansar. Abriram-na e ela caí ali dentro sem saber muito bem onde estava. Havia uma lareira imensa, ela resolveu ficar porque estava muito frio lá fora.

Era como se seu teto caísse causando uma angústia provocada por sufocamento. Mas a sensação deveria ser um vazio porque ela não tinha mais casa. Essa Segunda foi mais uma doença que amor, ela ficou cega porque a lareira não se apagou e o amor que deveria estar espalhado pela casa estava concentrado em dois pontos móveis. Quando um entrava o outro saía. Na luz do dia percebiam seus defeitos e na escuridão da noite tornavam-se iguais. Tão preocupados consigo mesmos. E o Segundo se foi quando depois de tanto brincarem com fogo, alguém se queimou e jogou água na brasa do outro. Dessa vez carregava as cinzas do Primeiro e as mãos queimadas na brasa do Segundo.

Pegou seus olhos que a estavam esperando do lado de fora novamente, ele a mostrou dois caminhos que levavam a um paradoxo. O oposto do Primeiro e o oposto do Segundo e qualquer um dos dois que ela seguisse a levaria novamente a mesma casa que não seria nem o oposto de um e nem de outro. Resolveu então negar os dois, e pra negá-los, ela precisou negar o amor. Caminhou sem perder tempo construindo uma nova casa por onde passava. Era muita casa pra pouco amor. Um dia cansou de andar, por pra fora, sair de casa e ter sempre um acampamento nas costas. Resolveu aceitar as duas formas como suas e não mais como pessoas distintas na sua casa. A casa agora era ela própria, onde haviam habitado o Primeiro e o Segundo.

Resolveu que queria viver como na primeira casa. Bateu na porta do Primeiro, e por espanto, ela se abriu, ela entrou e a lareira continuava apagada. Faltavam alguns móveis na casa, havia decoração diferente. Ah sim, claro, não era a mesma casa, cada um levou o que era seu quando saíram. Quando voltaram para casa ambos haviam deixado pedaços de si em outras casas e trazido um pouco delas também. O Primeiro como terceiro era um erro, jamais projetaria a primeira casa. Saiu de casa de novo. Mas dessa vez carregava as cinzas do Primeiro, as cinzas do Segundo e a culpa, culpa de que agora não era possível viver nenhum e nem outro. Passou a caminhar se perguntando qual das duas maneiras seria a mais correta pra tentar encontrar o mais próximo. Não obtinha respostas.

Descobriu que precisava apenas acreditar no amor novamente, independente de formas ou experiências. Era só esperar acontecer novamente.