quarta-feira, 29 de junho de 2011

Linguisticamente possível, humanamente inviável

Foto/Reprodução: Instagram

k e g em em pares distintivos:
meu ego vive pelo seu eco...
Na verdade, traços distintos:
um cala. O outro grita.
Velar plosiva.

Alcançam o ápice quando:
não distinguem mais a diferença dêitica entre EU e VOCÊ.

Uma língua com complexo sistema de pronomes possessivos
Pode ser sua expressão pelo amor não-possessiva?

Ambiguidade dos pronomes na dêixis.
Um acordo fiduciário firmado
entre um surdo e um mudo.

Não estava no dicionário.
O que era significante?
Qual era seu significado?
Não havia consenso...

Sentença relativa com dois sujeitos.
Sujeito composto:
objeto subjetivado.
Sujeito oculto:
sujeito objetivado.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Mãe



Sabe aquele cheiro que sobe da máquina de algodão doce? De açúcar quente? Cheirava isso. Nessa época não se atentava em definir as coisas. Não entendia bem as coisas. Não definia nada, não conhecia o conceito de nada. Eram apenas sensações e verdades. Ela cheirava algodão doce. Pensava que nuvens eram doces também. O sorriso dela lhe fazia cócegas. Descobriu a primeira forma de amor. A única forma altruísta.

Amor é algo que se constrói com o tempo e pra que ele aconteça é preciso que de alguma forma as pessoas sejam feitas da mesma substância. Uma substância indefinida, impalpável. É uma substância tão abstrata que mesmo que a pessoa deixe de existir, na sua mente ou no mundo, a sensação é permanente, como uma tatuagem dentro de si. Um amor por si próprio que reflete numa imagem diversa no mundo. Você deixa de se amar quando ele não tem mais onde refletir. Temos de volta aquilo que damos ao mundo.

Ver um amor crescer é a única experiência que vale a pena nessa passagem. Existe apenas um motivo pelo qual existimos, o motivo que desconhecemos, que não mensuramos e não definimos. Todo o resto é mentira. Apenas o que você sente é uma verdade. Verdade mutante, mas verdade. O cheiro do algodão doce, é mais que uma verdade ou uma sensação, é um fato. O cheiro do açúcar quente quando sobe da máquina te eleva aos céus e te põe pra dormir nas nuvens. Comer o algodão doce, que de tão doce, repuxa suas bochechas por dentro, te provoca cócegas. Uma felicidade apenas por degustar um algodão doce. Só isso é verdade. Todo o resto é mentira. Tudo que é passível de definição e conceitos é mentira. Se perde no tempo e não faz sentido pra quem não o vive. Só o que sentimos é um fato, só um fato é verdade: as pessoas só precisam de amor.

Só é possível aprender a amar com uma pessoa. Que você reconhece o cheiro de olhos fechados. Que te acalma nos piores momentos com qualquer palavra, porque o que importa é a voz, e não as palavras. Que não precisa dizer nada, sequer te tocar, mas que você se sente protegido apenas por estar perto. E por mais que esteja distante de você no mundo, reflete o seu amor, a sua esperança e a sua expectativa com relação a tudo. A máquina de algodão doce. O doce que nunca amarga. O único doce que é tão macio e quente como de onde você veio, o único lugar que você quer estar em qualquer extremo, seja de felicidade ou de tristeza. A literal definição de partilha, porque somos um só.

E o que fazer quando sentimos isso? Quando procuramos definições e elas nos levam a uma única palavra: amor? É hora de cheirar como a algodão doce...

terça-feira, 14 de junho de 2011

Sobre a Saudade

Foto/Reprodução: Instagram

Gosto de pensar sobre o significado das palavras... Saudade é uma palavra que me intriga. Primeiro, porque há inúmeras definições e nenhum consenso (como todo sentimento). Segundo, porque sua transliteração em outros idiomas trazem semas extremamente divergentes de cultura para cultura, como se fosse algo totalmente diferente de ser humano para ser humano. E finalmente, porque quase sempre está associada à falta.

Penso, que sim, não há porque haver consenso. Porque a saudade é a própria falta. E a falta que cada um sente é a falta que lhe cabe. E daí, jamais será a mesma pra qualquer um. Talvez seja a sensação de estar plenamente vazio. Vazio de lembranças. De esperanças. Inteiro. Inteiramente incompleto. Estranhamente feliz, estranhamente leve. Como uma brisa que traz uma poeira que é deixada e trazida a cada metro percorrido. Como uma poeira que vira lama. Como uma poeira que cega. Como uma poeira que assenta. A mesma poeira, mas com uma capacidade imensa de transformação. Mas ainda assim, ser a mesma poeira.

A saudade é aquilo de tudo que restou antes que se fosse, já não nos lembramos mais do que gostavávamos de lembrar. Fica apenas uma indefinição. A mesma indefinição de antes de ter existido. Antes podia ser. Agora, já não é mais. A saudade é sempre o buraco da alma que a gente procura alguém/algo pra nos habitar. O erro é sempre associar a saudade a um objeto no mundo. Não! A saudade é apenas falta. Falta daquela poeira que é você mesmo, que hora é lama, hora cega, e hora assenta. É por isso que rostos se apagam com o tempo e cheiros permanecem...

Penso que saudade é fome, ausência é que falta de apetite. Na falta de sentido, pra que se alimentar? Saudade... come-se na esperança de sobreviver até preencher a falta. Falta de algo que existe. A falta é o que nos faz caminhar. É a certeza de que há algo bom pra nos habitar. Ausência não. Ausência é o não existir. Aquilo que não dói, mas também não abre o apetite. É ausência da própria falta. Ser completo. Completo de não ter porque se alimentar. Completo de falsas completudes.

A saudade só vem daquilo que é reciclável. De tudo que se vive, há sentimentos que são tão inutilizáveis que são como lixo orgânico. Fedem. Inapropriados. Inaproveitáveis. A vida é uma coleta seletiva. O tempo todo juntando restos do que valeu a pena. Do que pode ser reaproveitado. Do que vale a pena ser revivido. Revivido apenas em sua essência, mas em outras formas, outras cores, outros lugares. Essa é a magia e o porquê de tudo acabar.

A saudade é isso, apenas essência de alguma coisa. A sensação que nos causou. Onde, quem, quando e como são apenas definições. A marca de fato, é o que você não define. É o que você traz, sem saber de onde, de quem, porquê, antes mesmo que algo existisse. É a falta, é o que te move. É um suspiro, uma intenção, uma intuição, um não sei porque mas vou me atirar na lama, deixar que a tempestade me cegue até que a poeira se assente, e eu comece tudo novamente.

domingo, 3 de abril de 2011

Campanha nem lá nem cá

A todos campanhenses que saíram de casa
Foto/Reprodução: Instagram

Meu maior erro foi sair de casa trazendo fotos. Me agarrei às lembranças por achar que elas me diriam quem eu sou. Mas não, justamente por elas, não sou ninguém. Eu precisava ter vindo vazia, nua, aberta. Agora não sou ninguém, nem aquela nem essa. Nem mineira, nem paulistana. Uma mistura dos dois e ao mesmo tempo nada. Tinha que ter vindo sem nada, como um cão enxotado de casa. Ter morrido na partida e nascido na chegada. Mas vim meio viva, meio morta. Viva de alegria pelo novo, viva de esperança pra encontrar um lugar melhor. Viva de anseios, viva de medo.

E essa cidade mesmo cinza, sem estrelas, sem aquele cheiro de mato, não me assusta mais, na verdade nunca me assustou... Eu vim pra cá foi pra brigar mesmo! O que me incomoda mais aqui é a poluição sonora... Nem é a sujeira das ruas, o ar impuro, o rio podre ou o trânsito caótico... É a falta de silêncio mesmo... Essa cidade às vezes me sufoca, parece que quer me expelir. Eu resisto, luto bravamente... Fico. Mas às vezes sou eu quem quero fugir... Mas vou fugir pra onde? Eu já não estou em lugar nenhum... Estou sempre no meio da estrada, no meio do caminho... Perdida entre lá e cá. É uma sensação de estar perdida no limbo. Ou eu vivo o ontem ou eu vivo o amanhã. O hoje nunca existe...

Mas vim meio viva, meio morta. Morta de saudades. Morta de sonhos. Às vezes mato a saudade, ou melhor, me mato. Porque pra matá-la, só acabando comigo ou ela não voltaria assim que chego do outro lado da estrada. Saudade tem quantas vidas? Ela sempre ressuscita... Mas o que me incomoda mesmo não é a saudade de cá ou de lá, é essa vontade de estar em dois lugares ao mesmo tempo. De me dar para os dois e não estar em nenhum. O que me incomoda mesmo é a certeza de que qualquer que seja o lado, na outra margem sempre haverá reclamação. E eu fico ali suspensa no limbo, nem lá nem cá...

segunda-feira, 21 de março de 2011

Passageiro

Foto/Reprodução: Instagram

é mesmo isso? depois do perdão vem a saudade?
e se a saudade vem, o abraço vem também?

eu colho pedras nas ruas pra preencher o vazio
mas pedras são frias... e não se acomodam bem.

a saudade chama a lágrima?
e a chama não se apaga?
espera um abraço... espera um pouco...

e as pedras continuam no bolso...
no caminho vem o riso, vem o choro, vem o espanto...

se passa? os pés vão adiante...

a saudade é um aperto que eu não quero sentir
me aperte apenas se for com um abraço...

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Risque outra vida

Foto/Reprodução: Instagram

Riscou seu último fósforo pra acender o cigarro. A angústia da espera. Fumava aquele cigarro como se quisesse engolir o mundo. Uma fome desesperada de viver tudo como se fosse a primeira vez. Brasa e cinzas na ponta de seus dedos que não podiam mais desenhar o futuro. Na brasa, a esperança. Na cinza, o tempo perdido.

Tudo ali fora estava calmo, pensava que por isso deveria estar em paz também. Mas não funcionava assim. O determinismo não era uma regra, por mais determinado que quisesse ser. Implodiu a fumaça no peito. Faltou-lhe ar pra soluçar. Faltou-lhe lágrima. Faltou-lhe tudo. As cinzas não se desprendiam do cigarro. Eram inertes à gravidade. Não sabia pra onde ir... Só um nó na garganta.

Tragava na esperança de preencher o vazio da alma. Era tarde. Faltava fogo em casa. Ascendia um cigarro no outro. Faltava calor. As lembranças o consumiam. O amor acabou. A dor um dia também se foi. A dor deixou saudade. A saudade trouxe esperança. Esperança trouxe sonhos. Sonhos remetiam ao passado. Entregava-se ao vício de fumar.

Sabia que ainda estava vivo porque sonhava. Mas estava cansado de viver de sonhos. Sentia-se perdido no limbo. Ou vivia o ontem, ou vivia o amanhã. O presente jamais existia... Cultivava a ideia de que éramos frações um dos outros. Enxergava-se cheio de falhas. Sempre incompleto. Custou a aceitar que tudo era finito e eterno. Entendeu que só seria completo pelas lembranças que carregava. Desistiu de esquecê-las. Era impossível.

Tragava. Prendia. Expirava. A fumaça dissipava. Mas fica o cheiro, o gosto, os dedos amarelos. Desistiu de suspirar. Jogou o maço de cigarro fora. Respirou fundo e resolveu caminhar com o relógio até que a brasa cessasse. Carpe diem1!

1. Expressão latina popularmente traduzida como "colha o dia" ou "viva o momento".

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sobre qualquer Coisa

Foto/Reprodução: Instagram

Coisa: A palavra mais vazia de significado e mais plena de sentidos.

Não menospreze os acasos, a dúvida que gera o erro geralmente é o que mais nos excita.
A vida é isso aí, dói, deixe-a ser. É uma corda solta.
Numa ponta, a saudade. Na outra, uma ponta de desejo.
Salte pra qualquer sorriso que lhe cause arte...

Nunca faça algo esperando retorno, isso não é bondade, é vaidade!
Não queira transformar ideias em realidade, sua vida só será um plágio mal feito delas.
A ansiedade é a medida do desencantamento, estraga a espera.
Espera! A sorte é o cuidado dos detalhes...

Ando com vontade de usar flores atrás da orelha. De andar com passos leves...

Viva a morte

Foto/Reprodução: Instagram

Tinha medo da morte. Não da morte em si. Mas dos segundos de consciência que a antecediam. Percebeu que estava ficando velho quando se preocupava mais com seus pais do que seus pais com ele. Preocupou-se por não ter filhos. Assustou-se quando os pais de seus amigos começaram a morrer, a consciência lhe mostrou que seus pais não eram heróis, muito menos imortais.

Mas o que poderia fazer com o tempo? Amanhã acordo com 70 anos - pensou. E só tinha 26. Tudo passava rápido demais. Seu primeiro luto foi aos nove anos. Avô materno. Não sentiu muito. Desconhecia o que era a morte. Na inocência da infância era apenas uma saudade perpétua. Aos 16, veio seu segundo luto. Seu padrinho de batismo. Com esse veio a lágrima. A lágrima de culpa, da certeza de impotência perante o tempo. Da incapacidade de mudar o passado, da impossibilidade de pedir perdão aos mortos.

Na adolescência a morte tomou forma. Assombrava-o. Tinha medo de morrer antes de amar. Tinha medo de ser morto. Tinha medo de ir pro inferno. Vez ou outra, chorava de medo de seus pais morrerem, outras vezes, desejava que morressem. Ah... a adolescência é a própria morte! Veio seu terceiro luto. Matar alguém dentro de si. Perguntou-se quantas vezes aquilo iria se repetir na vida e desejou morrer.

Vida adulta. A morte agora era branda. Entendeu que era o ciclo natural da vida. Morrer aos poucos todos os dias. Agora tinha as chaves de casa. Mas não tinha as chaves de seu coração. Coração povoado de moribundos e cadáveres, um verdadeiro cemitério de ilusões desfeitas. Morava sozinho. Nem sempre a vida era como ele imaginava. Mas nem por isso desejava morrer. A idade agora lhe mostrava que por egoísmo preferiria morrer antes de seus pais, mas por heroísmo, tinha que morrer depois deles.

Por egoísmo, também preferiria postergar um pouco mais a morte pra aproveitar mais a vida. Mas esse não era seu caso. Antes a dor do luto que a sensação de uma manhã vazia. Evitava acordar cedo aos fins de semana para não ter um longo dia de solidão. Era difícil conviver com aquelas lápides dentro de si. Aquilo o gelava de dentro para fora. Parecia um morto. É isso que a vida faz: Te mata

lentamente...

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Macaréu

Foto/Reprodução: Instagram

ma.ca.réu1
sm Grande vaga que, na foz de alguns rios, anuncia o começo da preamar.
 
Colocou os óculos escuros. Há tempos não se perguntava se devia ir ou ficar. Pedro tinha sérias dificuldades em perdoar. Você acredita que há limite entre o amor e a loucura? Pedro não. A dificuldade começa pela falta de consenso sobre o que é loucura. O amor é consensual, a loucura não.

Pedro estava indo de encontro ao seu maior medo. Sua pior/melhor lembrança... Ele hesitava, já fazia um bom tempo que não se viam... Enfim, ele domou o medo e foi, afinal, já se considerava lúcido o suficiente... E jaz aí, mais um conceito em que Pedro cansava-se de seu bom senso e pedia a Deus pelo senso comum.

Ao chegar à avenida, o primeiro ônibus a passar não lhe servia, e ele já começou a pensar que fosse um sinal de que não deveria ir. Embora nada supersticioso, Pedro buscava justificativas para não se sentir tão covarde. Mas antes que concluísse este pensamento, passou um ônibus que o levaria de encontro a si mesmo.

Ele subiu a ponte que sobe todos os dias para ir ao trabalho. Passou sobre aquele rio fétido, podre, mórbido. Se perguntava se aquilo tinha fundo. Passou, fechou os olhos e prendeu a respiração. Dizem que assim você pode ter a impressão de que o tempo está passando mais devagar. Mas até quando Pedro conseguiria postergar seus sinais vitais e o ponteiro do relógio?

Desceu do ônibus. Mais 100 passos para dois anos de culpa. Não é uma boa ideia, ainda posso desistir - pensou. A angústia foi tomando cada vez mais espaço dentro de si até que se tornaram um só e antes que novamente adoecesse deu o primeiro passo.

Lá estava ela. Bem mais bonita que há dois anos. Foi com as pernas moles e o coração duro. Abrir um sorriso? Dar um abraço? Apertar suas mãos? Ou selar um beijo no rosto? Três anos na mesma cama era agora como o sol e o mar que jamais se tocaram. Parou diante dela e disse: Oi.

Ainda não entendia o motivo daquele encontro. Mas pra que buscar motivos agora pra uma vida que nunca teve razão? Passava o dedo na mesa molhada pra ter certeza de que aquilo não era ilusão. Ela parecia tão bem. Sorria. Você está mais magro. Está no mesmo trabalho? Terminou a faculdade? Vontade imensa de ser grosso, responder-lhe que não tinha mais nada com sua vida e que ainda não se conformava de tê-la ido encontrar.

Mas ele precisava daquilo. Era preciso saber até onde aquilo o impedia de continuar. Resolveu fazer o melhor de si como se aquilo fosse uma nova conquista. Como se estivesse conhecendo alguém. E estava. Eles não eram mais os mesmos. Era como o Blood Mary que ela tomava e seu Curaçau Blue. Não combinavam.

Aos poucos foi se soltando. Percebeu que tinha vivido algo sozinho. Que havia culpado alguém por uma loucura que era só sua. A angústia foi virando lucidez e a loucura foi virando saudade. Por fim, sorriu. Descobriu que loucura passa. Amor não.

ma.ca.réu2
sm O encontro das águas do Rio Amazonas com o mar chama-se Pororoca. Esta é uma grande onda de maré alta que, com ruído estrondoso, sobe impetuosamente rio acima, apresentando uma frente abrupta de considerável altura, perigosa à navegação, e que depois de sua passagem forma ondas menores, os banzeiros, que se quebram violentamente nas praias; macaréu.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Uma carta à Loucura

Foto/Reprodução: Instagram

Preciso de uma dose de loucura. Alguém tem uma garrafa dessas sobrando em casa? Eu não consigo viver do que é palpável... Sempre tive bons amigos que me seguraram nas curvas dos meus devaneios. Me espanta o fato de que agora eles são os primeiros a me incentivarem a me jogar do precipício.

Sempre achei que no meu círculo social só apareciam pessoas exóticas... designers, poetas, putas, neuróticos... Sempre me diverti com eles. Putas também amam e loucos também podem ser boas pessoas. No fundo eu sou um pouco de tudo isso, sou um pouco de todos eles. A verdade é que ninguém é influenciado por aquilo que não temos uma "tendência" a nos tornarmos... Atraímos aquilo que nos faz bem. Ou não.

Deixei nas mãos dos meus amigos a minha loucura. Cada um guardou um pedaço dela pra que ela não me destruísse... Mas acho que eles acabaram bebendo um pouco dela também. Os vejo mais loucos que eu. Eles, que eram minhas rédias e meu cinismo diante de minhas próprias ilusões. Devolvam minha loucura! Vocês querem me empurrar guela abaixo o que um dia já foi meu. Mas eu não quero isto que vocês estão me devolvendo. Isto agora é de vocês.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

E por fim, a sobremesa

Foto/Reprodução: Instagram

Oferta do dia: Romeu e Julieta 5,85. Bem casado 7,59. Esses malditos valores quebrados que tentam passar a impressão de que você pode pagar menos do que algo vale, quando na verdade pagamos muito mais do que aquilo nos custa...

Mais uma vez, o garçom retira os restos esfrangalhados da mesa. Pedaços mutilados depois de uma farta ceia. A mesa vai ficando vazia aos poucos... De tempos em tempos vem uma mão sem rosto retirando o que resta. Por fim, vão-se até as últimas migalhas.

A mesa fica limpa. Outro casal se senta e a mesa está novamente farta.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O salto

Foto/Reprodução: Instagram

Um dia eu perdi o medo de voar, resolvi saltar de asa delta. Eu não conhecia o instrutor, mas ele me olhava de uma forma que eu não precisava temer. O risco era alto... Na subida me passavam mil coisas pela cabeça, percebi que teria que ser na impulsividade, porque a dúvida vez ou outra pairava entre os pensamentos, e a ingrata me excitava... Antes de me jogar, sem que ele precisasse me dizer, eu sabia que não era certo onde iríamos pousar, havia apenas a previsão de um ponto quase incerto em que iríamos nos despedir. Eu tive que correr para dar impulso e nessa hora foi preciso muita coragem pra tirar os pés do chão. De repente, ele não estava mais sob os meus pés... Eu demorei pra soltar os braços e a surpresa de não ter onde me segurar me impediu de sentir o vento no meu rosto logo no começo. Ele continuou sendo um desconhecido mesmo tendo compartilhado comigo um momento em que eu senti quase todas as emoções possíveis naquela hora: medo, euforia, ansiedade, liberdade, angústia, êxtase... Perto de chegar do chão, eu percebi que tinha deixado um pedaço de mim diluído no ar e que tinha trazido um pouco de alguém que eu continuava sem saber quem era. Que agora me despertava uma curiosidade melindrosa e uma saudade distante quase sem lembranças. Ao tocar a terra firme, minhas pernas estavam trêmulas e eu não tinha mais uma mão pra me segurar... Eu olhei pra cima e não consegui me ver e até agora não sei onde descemos, só de onde saltamos...

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O Eterno Retorno

Foto/Reprodução: Instagram

Eu vou me encontrar onde eu me perdi. Cada dia que passa eu tenho mais certeza de que estou caminhando pra mim mesma, não apenas como autoconhecimento, mas como o encontro de alguém que se perdeu no mundo e pelo mundo. Eu só me enxergo quando estou de fora porque no espelho eu sou aquilo que quero projetar... A verdade é um pouco mais complexa de se alcançar. É uma catarse de Édipo todos os dias para os que tem coragem e vontade de procurar...

Nesse ponto, vejo como a literatura clássica é sábia. Como a mitologia revela a alma humana de forma simples e por metáforas que me fazem entrar em êxtase. E o êxtase acontece quando meu olhar persephiano sobre o mundo é uma eterna primavera... Identifico cada dia mais, episódios de uma epopeia em minha vida singular, cenas de tragédia nos meus dias tão simplórios e completas peças de comédia no meu tropeçar. As dualidades são expostas e os traumas entendidos.

Com o passar dos anos vamos percebendo e identificando como os velhos ditados fazem sentido na nossa vida. Depois de muito caminhar, conseguimos enxergar uma estrada inteira e só aí entender o sentido de cada passo que no início parecia controverso, duvidoso, arriscado e sem direção. Cada dia que passa, enxergo mais a vida como um ciclo. E enquanto não fechamos todos os ciclos não é possível sair da rotatória. A vida o fará andar em círculos até que o aprendizado se concretize. E não falo aqui de Deus, ou mitologia, ou astrologia, ou qualquer coisa "do além". A metáfora do texto é apenas uma forma de contar a vida de uma forma mais poética. Porque é disso que a vida precisa, uma dose de poesia. Porque a vida nada mais é do que o quanto de metáforas podemos criar com a linguagem.

A vida é simples, bonita e um tanto perigosa pra quem acha que sabe viver. E aqui mais uma vez não se trata de um conselho de mãe que diria pra não dirigir bêbado, mas apenas pra alertar que todos erramos e que todos pagaremos pelos nossos erros e não como forma de castigo divino, mas porque toda ação gera uma reação, e por isso, as consequências são inevitáveis. Talvez as consequências sejam "amenizáveis", mas o importante mesmo do aprendizado da vida não é não errar mais, mas saber lidar com o erro, até porque, erro é um conceito que depende muito de situação, realidade, cultura e condições. E muitas vezes a dúvida que gera o erro é o que mais nos excita...

Se tornamos os momentos mágicos ou se de fato há magia nesse mundo, eu não sei... Eu me sinto livre... Vou trilhando conforme as sementes que deixo por aí, porque ninguém colhe aquilo que não plantou... Meu olhar persephiano agora vê a primavera, sente a brisa... porque a magia está simplesmente na entrega de sentir o mundo simplesmente pelo que ele é... Eu respiro fundo... abro os olhos e é primavera... Nesse ponto, em que enxergo cada vez mais o início da rotatória com mais nitidez, só posso esperar que envelhecer realmente é algo prazeroso para a mente. Por mais que o mundo se torne mais nítido e por isso mais "sujo", o medo, a insegurança e a incerteza são cada dia menores.

Às vezes me pergunto se em algum ponto, os círculos se encontram, e é claro que não tenho resposta. A sensação de pensar nisso é como um quê de nostalgia... Rodando em círculos, passando por pontos que parecem já percorridos mas com novas sensações, com sensações a menos e fica aquele gostinho de quero mais, seja como for... E perseguimos como palhaços correndo em torno de um carrossel sem nunca chegar ao final... mas sempre enxergando o início... e o início nos faz correr mais e mais para o final.

Enfim, é só mais um texto de alguém que busca um sentido para a vida todos os dias, e que o encontra nos mais singelos sinais de que a vida existe por si só, porque a busca é o sentido... A vida não precisa de corpo, matéria ou ser, ela simplesmente é e eu a deixo ser...

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Rue de La Fortune

Foto/Reprodução: Instagram

Brasileira foi internada na França por alucinações. Será deportada em 15 dias, visto não ter nenhum conhecido ou parente próximo neste país. Se alguém conhecê-la, contate o serviço de imigração. A senhora afirma ter reencontrado naquele lugar um velho amigo de adolescência a fim de se casarem. Testemunhas afirmam que a mesma estava bêbada abordando um famoso escritor italiano no Café Les Deux Moulins.

Naquela tarde fazia frio. Mas não era somente um frio ambiente, estava congelada por dentro. A impotência diante do tempo.
Viver ali há cinquenta anos longe de todos não era fácil. Mas naquela idade em que se encontrava, não havia mais nenhum conhecido vivo no Brasil, além de seu irmão caçula que também já estava por falecer.
Todas as tardes ela caminhava até o Café, sentava-se na mesa e começava a ler. Entre as páginas que ela passava podia-se notar as lágrimas que escorriam e manchavam o papel amarelado. País gélido. Ninguém se incomodava com suas lágrimas. Ninguém perguntava se ela estava bem, apenas se desejava algo mais. E se ela pudesse pedir algo, seria uma dose de lucidez ou como tantas noites em casa já havia ligado no delivery, pediria um abraço.
O que a mantinha viva naquele lugar era se agarrar todos os dias ao que o resto do café podia lhe dizer no fundo da xícara. Ela ainda tinha forças pra se alimentar. Os flocos de neve eram como as gélidas lembranças que vagueavam sua memória. Era o que a mantinha viva. A existência do que já fora. O passado era tão distante. Por vezes ela tinha o devaneio de tentar descobrir em que lugar da Itália morava seu escritor brasileiro preferido. Ela se encontrava descrita nos seus textos. Era outro fato que a fazia sentir-se viva, menos sozinha no mundo. Devaneios... mas que a faziam respirar, e no mais dos tempos, suspirar!
Domingo. Cinco da tarde. Nos seus tempos de adolescente ela assistiria qualquer programa da TV brasileira e criticaria. Numa fase mais madura assistiria filmes. E mais pra frente, se tivesse os tido, levaria os filhos pra passear no parque. Logo, hoje, ela também não leva os netos que não teve. E, por isso, todos os dias ela se questionava nesse Café: Por que não ter sido trivial? Ao menos não estaria aqui sozinha me agarrando às fantasias até hoje...
Há tanto tempo ela não sentia tanto frio. Aquele parecia ser o dia mais frio de toda sua vida no continente europeu. Quando a porta do café se abriu e entrou um senhor de sobretudo marrom, meio curvado com uma pasta na mão ela não sentiu apenas o frio na pele. Ela sentiu um frio dentro de seu ventre. O café ficou mais doce, porém mais gelado. E o doce que já era doce chegava a ser enjoativo. Ela não saberia descrever aquela sensação como nunca soube descrever o que sentira por aquele homem a vida toda.
Ele se sentou numa mesa frente a ela. Mas era como se a não percebesse. A mulher da cafeteria abrira a janela e pequenos flocos de neve invadiram o espaço. Por alguns instantes acreditou que o vira. Sim! Ele! O detentor de suas maiores fantasias da adolescência. Mas logo percebeu que os flocos de neve eram apenas geladas lembranças de uma história que nunca havia ocorrido no plano real, apenas nos contos, nos poemas, nas crônicas. Mas eles estavam ali, aos 70 e poucos anos, será que não era a hora?
Ela se perguntava até que ponto era real sua paixão por aquele escritor. Ela tentava reviver na sua memória, a sua adolescência. E se aquele escritor de fato era aquele jovem com quem trocara tantas licenças poéticas. Teve certeza, hesitou, até que em um momento pode perceber que ele a olhou com olhar assustado e ao mesmo tempo incerto.
Ela tomava seu café e fitava-o. Ela mal acreditava, não podia ser... depois de tanto tempo, tantos planos. Quando moravam no Brasil marcaram dezenas de encontros e não conseguiam se ver. Seria possível o melhor acaso de sua vida? Seria tudo tão poético assim? Tão profético? Ou tão trágico... Ela não se conteve e foi conversar com ele. Ele não a reconhecia. Ela insistia.
Ele jamais a esquecera e por várias vezes tentara encontrar seus passos, enviar-lhe cartas, mas tantas tinham sido as mudanças na vida de ambos, que ele preferiu mantê-la em seus textos. Nos textos que ela lia e se sentia viva. Ele também não queria acreditar naquele instante, não podia admitir isso. Por que só agora aos setenta anos e tão longe do Brasil?
Ele gostou da idéia de não reconhecê-la e ouvi-la contar todos seus devaneios, todos seus encontros e desencontros. Aquela explosão de sentimentos da velha amiga inflava seu ego apodrecido pela falta de amor. Ela tentava convencê-lo mais convicta de que seu nome era Ana que o dele era Cadu. Ela munia-se do espírito adolescente de outrora e contava-lhe em pormenores com todo entusiasmo os seus planos e suas lembranças:
Ana: Sim! Era um dia tão frio quanto esse... era o máximo de frio que podia fazer no sul de Minas Gerais... o Brasil não era tão tropical assim a primeira vez que subimos ao Parnaso... A Perséfone sentia algo por Hades que ela não conseguia explicar. Era inverno. Era com ele que ela deveria estar, assim como hoje, mas a Primavera sempre os separava... Você não se lembra?
Ele apenas sorria e continuava a escrever no seu bloco de anotações. As pessoas ao redor cada vez mais notavam o descontrole de uma senhora de 70 e poucos anos que começava a se portar como uma garotinha de 15, tamanho entusiasmo...
Ana: Por que você não diz nada?
Cadu: Porque eu não sou quem você está pensando.
Ana: Claro que é. Aliás, porque você nunca publicou nossas cartas como havíamos combinado assim como os contos?
Cadu: Porque eram...
Ana: O quê? Viu! Você é quem eu estava esperando!
Cadu: Minha cara senhora, tente se acalmar, devo ser muito parecido com esta pessoa que está falando, mas acredite, eu sou inglês, moro na Itália há dois anos e jamais estive no Brasil, muito menos na minha adolescência.
E ele sorriu. E não pense que foi um riso de “você é louca”, mas sim um riso de “sim, eu estive lá, me lembro muito bem e não acredito nesse momento, não acho justo.”
Ana: Sim! Eu me lembro muito bem da primeira vez que o vi. Eu tive uma impressão tão torta de você! Você parecia querer chamar a atenção de todo mundo. E eu parecia querer chamar sua atenção mesmo que não devesse. Não sabia bem porque queria, se era porque você estava roubando a minha cena ou porque a sua atenção era o que me importava. Enfim, não faria diferença, as condições não eram propícias. Mas estamos aqui aos 70 e poucos anos como planejamos em tantos devaneios poéticos.
Cadu: Que livro está lendo? Deixe-me ver?
A mão trêmula dentro de uma luva grossa, que impediu o toque das peles tão esperado, entregou o livro.
Cadu: Você quer um autógrafo? Aqui está uma dedicatória para você na última página.
Ana: Por que na última página? Não importa.
Balançava a cabeça de um lado para o outro apoiada com os braços na mesa e batendo os pés no chão, aumentava também seu tom de voz:
Ana: Eu quero que você admita que é o mesmo Carlos Eduardo que conheci há 55 anos. Não sei por que está me torturando dessa maneira.
Ela não entendia aquela indiferença. Eles estavam ali por um acaso. Todas as escolhas que haviam feito durante mais de 50 anos não importavam mais.
Ela não se conteve a mais uma implosão. E como na primeira vez que o vira, quis chamar a atenção de todos. Era indecoroso para uma senhora daquela idade, mas ela chutava as cadeiras, derrubava as mesas e arremessava os copos contra a parede. Dentro de minutos ela foi levada por perturbar a ordem pública. Foi constatado que ela sofria de alucinações.

Como ela não tem parentes nem conhecidos nesse país, o governo francês a deportará para o Brasil, seu país de origem, aproveitando a passagem encontrada dentro do livro que carregava.

Desistiram do café e depois de poucos minutos, a segunda garrafa de vinho já havia acabado. Seus olhos se cruzavam com mais doçura e desejo a cada gole. As mãos trêmulas se tocavam e os olhos pesados da idade se fitavam enchendo-se de vida novamente.