Já pensou como se propaga o som? Como as cordas de um violão se oxidam? Ambos ocorrem num espaço vazio, denominado tempo.
Tempo na música é algo bem determinista. É o que dá o ritmo, mas nunca o tom. E o que fica depois que o tempo passa é o tom. Para o tom, o tempo inexiste.
A impressão que a música deixa depende muito de quem a toca. Tocar um instrumento é tocar pessoas. Tocar uma música é tocar os próprios sentimentos.
Durante muito tempo, aonde eu ia, meu violão ia comigo. Eu dava festas em casa e tocava violão. Eu tocava violão nas festas da faculdade. Eu levava o violão para praia, para o parque, para as viagens.
Depois que processei o luto do meu avô paterno, eu não pude mais. E até ontem eu não sabia bem o porquê.
Hoje ao tocar violão eu vi a mão do meu avô ao fazer um G. Não era minha mão, era a mão dele fazendo um G.
Como pode, depois de dez anos, eu ainda lembrar com detalhes da mão do meu avô? As unhas, os dedos, as veias, a pele.
Geneticamente é fácil de entender, minhas mãos são idênticas a do meu pai que, por sua vez, tem as mãos iguais a do meu avô. Mas o que as mãos fazem é o que a gente mais lembra.
Mãos que tocavam violão comigo. Mãos que me deram meus bonecos de super-herói favoritos. Mãos que me levavam na pracinha para brincar, jogar bola e ir no pula-pula.
Mãos que abriam a bíblia para me ajudar a fazer as lições do catecismo, que me davam chocolates. Mãos que acenavam ao contar histórias e mais histórias. Sorria. Eu lembro de cada gesto, cada sorriso.
Eu demorei um tempo para entender que, hoje, tocar violão ainda é sentar ao lado do meu avô. Naquela tarde de sol, onde só a presença bastava dividindo um violão.
Eu consigo ouvir o pé dele batendo no chão para ritmar a música. Eu posso sentir o cheiro do taco. Tocar violão virou um ritual de reencontro.
G de Sol Maior é também G de Geraldo. Avô paterno a quem dedico esse texto.
Esse texto foi escrito em 13/07/18 e continua a propagar suas notas cada vez que pego o violão.