terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Viva a morte

Foto/Reprodução: Instagram

Tinha medo da morte. Não da morte em si. Mas dos segundos de consciência que a antecediam. Percebeu que estava ficando velho quando se preocupava mais com seus pais do que seus pais com ele. Preocupou-se por não ter filhos. Assustou-se quando os pais de seus amigos começaram a morrer, a consciência lhe mostrou que seus pais não eram heróis, muito menos imortais.

Mas o que poderia fazer com o tempo? Amanhã acordo com 70 anos - pensou. E só tinha 26. Tudo passava rápido demais. Seu primeiro luto foi aos nove anos. Avô materno. Não sentiu muito. Desconhecia o que era a morte. Na inocência da infância era apenas uma saudade perpétua. Aos 16, veio seu segundo luto. Seu padrinho de batismo. Com esse veio a lágrima. A lágrima de culpa, da certeza de impotência perante o tempo. Da incapacidade de mudar o passado, da impossibilidade de pedir perdão aos mortos.

Na adolescência a morte tomou forma. Assombrava-o. Tinha medo de morrer antes de amar. Tinha medo de ser morto. Tinha medo de ir pro inferno. Vez ou outra, chorava de medo de seus pais morrerem, outras vezes, desejava que morressem. Ah... a adolescência é a própria morte! Veio seu terceiro luto. Matar alguém dentro de si. Perguntou-se quantas vezes aquilo iria se repetir na vida e desejou morrer.

Vida adulta. A morte agora era branda. Entendeu que era o ciclo natural da vida. Morrer aos poucos todos os dias. Agora tinha as chaves de casa. Mas não tinha as chaves de seu coração. Coração povoado de moribundos e cadáveres, um verdadeiro cemitério de ilusões desfeitas. Morava sozinho. Nem sempre a vida era como ele imaginava. Mas nem por isso desejava morrer. A idade agora lhe mostrava que por egoísmo preferiria morrer antes de seus pais, mas por heroísmo, tinha que morrer depois deles.

Por egoísmo, também preferiria postergar um pouco mais a morte pra aproveitar mais a vida. Mas esse não era seu caso. Antes a dor do luto que a sensação de uma manhã vazia. Evitava acordar cedo aos fins de semana para não ter um longo dia de solidão. Era difícil conviver com aquelas lápides dentro de si. Aquilo o gelava de dentro para fora. Parecia um morto. É isso que a vida faz: Te mata

lentamente...

7 comentários:

  1. Todos os dias são assim: pelo menos uma morte acontece em mim. Mato um olhar, dando espaço a outro. Mato uma lembrança que me dói. Morro de saudades de um tempo ou de alguem. Células morrem-mais-que-nascem depois dos 25, num processo denominado envelhecimento. Morro um pedaço todos os dias. Morro tentando encontrar sentido. E assim será até o dia em que eu o encontre de uma vez por todas.

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  2. Uau amiga!

    E é assim desde o dia que nascemos até o dia que morrermos...

    sds!!

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  3. Vc se superou dessa vez.
    Fiquei arrepiada do começo ao fim.

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  4. Muito profundo, existencialista e verdadeiro. Mas um pouco depressivo...

    Seus textos tem me feito pensar mais e de forma um pouco diferente do q estou acostumada...

    Não pare! Tem talento!

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  5. Viva a morte antes que ela viva em você.

    Lentamente, levemente e invisível... Lindíssimo texto reflexivo.

    Certo dia acordei com esse pensamento e me veio um fragmento sobre o medo do medo da morte, então escrevi :

    "Vem sem cheiro, sem sublevar, sem presença, mas nota-se.
    Toma em suas garras de gélido abismo infindável
    O suspiro absorto e ilusórico que nos perpetua neste plano
    Utopicamente caucionando alma desobstruída"- Parte do poema Medo do Medo da Morte.

    Parabéns pelo escrito, adorei.

    Bj, Leticia.

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  6. Olá Letícia,

    Você disse em uma só frase o que eu quis passar com esse texto: "viva a morte antes que ela viva em você". Eu ainda diria mais, ela vive em nós, é um fato, mas só a vivemos se queremos... aceitá-la é a melhor forma de "negá-la" rs
    Belo fragmento "O suspiro absorto e ilusórico que nos perpetua neste plano" me tocou... fez sentido pra mim :D
    Você também tem blog? Não encontrei no seu perfil...
    Obrigada, pela visita!
    Volte mais vezes,
    Bjo!

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