sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Macaréu

Foto/Reprodução: Instagram

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sm Grande vaga que, na foz de alguns rios, anuncia o começo da preamar.
 
Colocou os óculos escuros. Há tempos não se perguntava se devia ir ou ficar. Pedro tinha sérias dificuldades em perdoar. Você acredita que há limite entre o amor e a loucura? Pedro não. A dificuldade começa pela falta de consenso sobre o que é loucura. O amor é consensual, a loucura não.

Pedro estava indo de encontro ao seu maior medo. Sua pior/melhor lembrança... Ele hesitava, já fazia um bom tempo que não se viam... Enfim, ele domou o medo e foi, afinal, já se considerava lúcido o suficiente... E jaz aí, mais um conceito em que Pedro cansava-se de seu bom senso e pedia a Deus pelo senso comum.

Ao chegar à avenida, o primeiro ônibus a passar não lhe servia, e ele já começou a pensar que fosse um sinal de que não deveria ir. Embora nada supersticioso, Pedro buscava justificativas para não se sentir tão covarde. Mas antes que concluísse este pensamento, passou um ônibus que o levaria de encontro a si mesmo.

Ele subiu a ponte que sobe todos os dias para ir ao trabalho. Passou sobre aquele rio fétido, podre, mórbido. Se perguntava se aquilo tinha fundo. Passou, fechou os olhos e prendeu a respiração. Dizem que assim você pode ter a impressão de que o tempo está passando mais devagar. Mas até quando Pedro conseguiria postergar seus sinais vitais e o ponteiro do relógio?

Desceu do ônibus. Mais 100 passos para dois anos de culpa. Não é uma boa ideia, ainda posso desistir - pensou. A angústia foi tomando cada vez mais espaço dentro de si até que se tornaram um só e antes que novamente adoecesse deu o primeiro passo.

Lá estava ela. Bem mais bonita que há dois anos. Foi com as pernas moles e o coração duro. Abrir um sorriso? Dar um abraço? Apertar suas mãos? Ou selar um beijo no rosto? Três anos na mesma cama era agora como o sol e o mar que jamais se tocaram. Parou diante dela e disse: Oi.

Ainda não entendia o motivo daquele encontro. Mas pra que buscar motivos agora pra uma vida que nunca teve razão? Passava o dedo na mesa molhada pra ter certeza de que aquilo não era ilusão. Ela parecia tão bem. Sorria. Você está mais magro. Está no mesmo trabalho? Terminou a faculdade? Vontade imensa de ser grosso, responder-lhe que não tinha mais nada com sua vida e que ainda não se conformava de tê-la ido encontrar.

Mas ele precisava daquilo. Era preciso saber até onde aquilo o impedia de continuar. Resolveu fazer o melhor de si como se aquilo fosse uma nova conquista. Como se estivesse conhecendo alguém. E estava. Eles não eram mais os mesmos. Era como o Blood Mary que ela tomava e seu Curaçau Blue. Não combinavam.

Aos poucos foi se soltando. Percebeu que tinha vivido algo sozinho. Que havia culpado alguém por uma loucura que era só sua. A angústia foi virando lucidez e a loucura foi virando saudade. Por fim, sorriu. Descobriu que loucura passa. Amor não.

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sm O encontro das águas do Rio Amazonas com o mar chama-se Pororoca. Esta é uma grande onda de maré alta que, com ruído estrondoso, sobe impetuosamente rio acima, apresentando uma frente abrupta de considerável altura, perigosa à navegação, e que depois de sua passagem forma ondas menores, os banzeiros, que se quebram violentamente nas praias; macaréu.

10 comentários:

  1. Quero saber o final da história!

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  2. Não há final... como a história da humanidade, esse conto tbm não tem fim, porque vai se repetindo indefinidamente em nossa vida amorosa...

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  3. Obrigada pela visita meninas!

    Tento fazer contos sem fim pra que cada um dê seu próprio final as minhas histórias... que são de todos.

    E sem dúvida, como a Bárbara disse, vai se repertir indefinidamente...

    Bjs,

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  4. O Maca-creu, velocidade 1 a 5, é sempre incipiente quando se trata de encontrar um ex-amor. Vem mesmo quando vc acha que "ja passou". Te faz "réu". Por esta simples e conturbada verdade: Loucura passa, amor nao. Quando passa, nao era amor... era loucura.
    Lindissimo texto, Zanin. Sua pena é preciosa, nao a ignore nunca.

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  5. Essa ideia de abrir e fechar com verbetes de dicionário você plagiou de mim hein? Haha. Brincadeira.

    Acho que foi o que eu li seu até agora que mais gostei. Embora acho que esse tipo de temática sobre relacionamentos e romantismo fodido seja "shojo" ( mais voltada pro público feminino em geral)não acho um defeito. É o tipo de coisa que você gosta de escrever. E vai por mim o que muita gente gosta de ler.

    Devia divulgar mais.

    Mas aí. Pra mim amor passa sim. Loucura não!

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  6. Pri, você vai sempre além... eu fiquei sem entender o "maca-creu" rs
    Obrigada pelas palavras bonitas sobre minha pena... não abandonarei enquanto tiver amigos como vc q me fazem crescer e refletir...

    Davide,
    Plagiamos só quem idolatramos hauha
    Brincadeira... mas sabe q eu ainda pensei... "não vou fazer isso", tá mto Davide. Mas não tive alternativa... Quase ninguém saberia o q é Macaréu... precisava explicar...

    Tudo é ponto de vista... Pra mim... não há limite entre amor e loucura e ambos não passam... são a mesma coisa rs

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  7. amor é só para loucos...

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  8. O mais forte e mais bem escrito até aqui.

    Tratar de águas, rios, poluídos ou não e escolher o nome do personagem 'Pedro', pescador(portanto dependente do rio) que negou Cristo, como negou a realidade dos sentimentos no seu conto, deu um toque Machadiano, mas no seu estilo.

    Uma pequena remarca: Cudado com clichês.
    "passou um ônibus que o levaria de encontro a si mesmo"
    "Doce e salgado não combinavam"

    Se for usá-los, inverta-os, ironize-os.


    Parabéns, seus textos cresceram.

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Olá Anônimo,
    Muito obrigada pelas críticas, fazem meus textos crescerem mais.
    Fico lisonjeada com "o toque machadiano"
    Obrigada pela visita.
    Abs,

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